Autor: Mia Couto

Ilustrador: Danuta Wojciechowska

Editora: Caminho

 

 

     Um dia o gatinho preto estava em cima de uma estória. Ele nem sempre foi dessa cor. A mãe dele diz que antes ele tinha sido amarelo, às malhas e pintinhas,  e por isso lhe chamavam Pintalgato.

     Ele passou de claro para escuro por causa de um susto: o gatinho estava a passear numa linha onde existe uma fronteira entre a noite e o dia. Nessa linha o pôr do Sol formava um muro. A mãe avisava-o para nunca atravessar para o outro lado. O gatinho fingia que obedecia à mãe mas não fazia isso. Ainda mais porque era proibido. Certo dia, cheio de coragem, passou uma perna para o lado da noite, e depois passou metade do corpo para além da fronteira. Quando regressou a casa viu que as patas da frente estavam pretas. Então escondeu-se num canto para não ser visto assim.

     No dia seguinte passou o corpo todo, mas ficou com medo pois temia o castigo. Quando teve coragem de abrir os olhos no lado da noite, percebeu que não se via a ele próprio. Com medo, chorou muito.  Foi então que ouviu uma voz, que era a voz do escuro, a dizer-lhe para não chorar pois ele é que devia estar muito triste porque não conseguia ver nada.

     Entretanto chegou a mãe do gatinho desobediente e ele ficou com medo do castigo. Mas a mãe estava a consolar o escuro e disse-lhe que os olhos dele ficavam verdes. O escuro pensava que era feio e que os meninos tinham medo dele. A Dona gata disse-lhe que o escuro existe dentro de nós, e que não mete medo, as pessoas é que enchem o escuro com os seus medos .

     A mãe gata fez muitas carícias ao escuro até que ele adormeceu. Quando acordou viu que as suas costas brilhavam com muitas cores. A gata então  perguntou-lhe se o escuro queria ser seu filho. O escuro perguntou-lhe como podia ser seu filho se ele não era um gato. A mãe gata disse que podia ser mãe dos dois. Para olhar bem para os seus olhos que ia provar isso.

    Foi então que o Pintalgato acordou e viu que tinha sido tudo um sonho. Chamou pela mãe e só nesse momento viu que quando olhava no escuro a mãe ficava com os olhos pretos e quando os via na luz os seus olhos eram claros e luminosos.

 

 

Ana Isabel

publicado por turminhafabulosa às 16:14